segunda-feira, 25 de março de 2013

O TESTEMUNHO DO VENTILADOR FUNEBRE


    O ventilador ia-se e vinha-se repetitivamente, em um barulho frenético, que incomodava o ambiente. O garoto que ali estava, o olhava fixamente e observara o mecanismo daquele objeto, sujo de poeira, parafusado no canto alto da parede. O menino aparentava ter no mínimo uns dez anos de idade, pardo, cabelos baixos e negros, na face havia uma palidez continua, uma fundura no olhar, sua cabeça imitava o movimento do ventilador.  
     Vieram nos pensamentos do garoto lembranças de dias felizes, momentos que nunca mais iriam acontecer, que foram embora para sempre. Uma lágrima escorreu no rosto dele. Não havia barulho no pranto, nem desespero no penar, a dor que ali no fundo da alma havia, era calada, porém muito doída.
     O movimento ainda era contínuo, ele ainda acompanhava o percurso do ventilador, ele precisava de um ponto fixo para se guiar, aquele objeto rodante era ideal, sempre voltava para o mesmo ponto. Centrado no mecanismo rotatório do objeto, o garoto não se entontecia, nem se demonstrava enfadado com aquilo, estava ele anestesiado.
     Havia no ambiente cheiro de velas, flores e choro abafado também, havia som de um olhar cabisbaixo, tudo era silêncio, apenas o ventilador ecoava sombrio.  Ninguém ousava a quebrar esse som ecoante. A lágrima do rosto do menino secara, o movimento era o mesmo, de desalento total. E então sua mãe o chamou, já era a hora de enterrar o corpo do homem que ali estava sendo velado, do pai que se fora. Todos saíram aos prantos, desconsolados, rezando a prece final.
     Na sala fria, ficara apenas o testemunho final, aquele que havia presenciado várias outras partidas, o solitário ventilador fúnebre da funerária, rodando sozinho, na mesma direção. (Ítalo Lima – 25/03/2013) 

segunda-feira, 18 de março de 2013

A CHEGADA DOS TRÊS AMORES

       Ela era muda, assim desde nascida, prostada da voz humana, com o sorriso apagado no rosto e o brilho esperançoso no olhar, sempre à procura do amor vendido no mundo moderno, sentia inveja desses casais aparentes, seguia ela na esperança de toda mulher.
      Eis que um dia chega o primeiro a fazer moradia em seu peito nobre. Então um sorriso largo se mostrou no semblante dela. À princípio, como todos os namoros, pareceria ser eterno. Ele era silencio e ela som, ainda sim desse modo, ela era a quem a mais se declarava para ele, gesticulava incansáveis vezes um “eu te amo”, ainda sem saber o que era o amor. Ele não prostado da voz humana, não sabia dizer tal declaração. Um dia então, ela pôs na balança o som e o silencio, não sabia se quem calava, no fundo poderia esconder um amor profano. Porem o silêncio pesou mais alto. Ela o mandou embora.
     O segundo lhe chegou trazendo flores e falando de amores, gentil que só vendo, era um cavalheiro de lendas antigas, exacerbado de tal modo, ela estranhou o homem nobre, era o inverso do primeiro, insegura e com sequelas, ela seguiu o ser literário, o flagrou entregando flores para outra iludida. Mais uma vez o homem se ia da vida dela, se guardou deprimida.
     O terceiro lhe chegou como quem vem do nada, se olharam pela primeira vez, e as almas de ambos se atraíram, carentes do ser interno, um reconheceu a solidão do outro, ele não disse nada, ela também não gesticulou tal amor, apenas se alimentaram daquilo que ninguém mais ousa se alimentar: fizeram um banquete, ambos beberam da alma do outro e se revigoraram da solidão moderna. (Ítalo Lima – 18/03/2013)

segunda-feira, 11 de março de 2013

UMA BREVE DESCRIÇÃO DE UM MOMENTO DE PRAZER


    Era uma noite sem lua, quando ele bateu na porta de minha casa, eu já o esperava pronta, quase sem roupa. Era de costume ele chegar assim, principalmente quando ele estava muito necessitado. Sentou no sofá, elogiou-me com aquela sua voz rouca e aquele olhar medonho. Eu ri sem graça, agradeci logo em seguida. Ofereci-lhe uma bebida, não aceitou. Ele fisgava-me pelo olhar, percorrendo todo o meu corpo em segundos. Eu tremia de desejos, mordia os lábios em resposta daquele gesto. Ele não resistiu, me puxou pelo braço e me beijou sem dó. O seu beijo era vapor, esquentava-me a alma, eu, enlouquecida apenas com aquilo. Suas mãos percorriam minhas fronteiras. Quando me espantei, ele já tinha se livrado das minhas vestes. Fiz o mesmo com as dele. Havia algo vivo dentro e fora daquele homem, uma rigidez em ambos os lados, apreciava-os delicadamente.
     Fomos para o quarto, ele pôs todo o peso do seu corpo em cima do meu, mesmo estando sufocada, eu gostava daquilo. Sua respiração ofegava exageradamente, e era o som estrondeante que havia naquele quarto. Ele me banhava de sal. Nossos corpos deslizavam um no outro. Certa hora resolvi comandar a embarcação, o prendi pelos braços, e  naveguei avante. Ele me pediu para ir mais fundo, obedeci, logicamente. Então perdi meu trono, o jogo se alterou, ele me virou de costas, trafegou toda a sua língua em minha coluna vertebral, com a mão direita ele prendia meus pulsos, e com a esquerda, já com o pincel nas mãos, escreveu um poema em minhas costas, o pincel era áspero, eu respirava ofegante em cada toque, como quem se afoga e morre sem ar. A escrita saiu espontânea, ao findá-la, sussurrou em meu ouvido o que havia sido escrito:

“Nunca mulher nenhuma me saciarás,
Pois tu, me serve em banquete,
Aquilo que todas sovinam: prazer absoluto”
    
     Então, posta de frente novamente, fui consumida, arduamente preenchida. Íamos e víamos, numa velocidade constante, éramos maquinas. Não sabia em que mundo estava, fiquei tonta de tanto prazer. Eis da chegada hora, jorramos juntos o safári de águas profundas. Respiramos aliviados, satisfeitos de ambos estarem vivos e não ter morrido de prazer. Entretanto, depois de saciado, ele se virou de lado, adormeceu calado, sem saber de mim. Eu conformada, ansiei pela próxima vez. (Ítalo Lima – 11/03/2013)

domingo, 10 de março de 2013

REFLEXÃO FILOSÓFICA SOBRE O SABÃO


S
abão: sólido mutável, produto de limpeza, mistura-se com água para fazer-se espuma, pedra com aroma agradável, nostálgico vez ou outra. Sabão, quem nunca se tentou a comê-lo. Esfrega, esfrega, esfrega, sabão, que pouco dura, mas logo traz limpeza, sabão, fostes embora com que leveza? Sabão, também designado pejorativamente para relações entre  duas mulheres, oh sabão. Deixa branco o que foi sujo,o que caleja as mãos das “Marias” e dos “Joãos” e de tantos outros por aí. Sabão de côco, alvo, remédio para coceira. Há o sabão caseiro, feito de forma estranha. Sabão azul, verde e vermelho, sabão de todas as cores. Sabão que me agrada, que degrada, que vira nada. Vende-se em grande mercados e na quitandinha dos “Zé”, nas esquinas e nos centros de grandes cidades. Sabão, quando surgiu essa novidade? Quem o inventou para o mundo? Há também os tipos de sabões, os em pó, os líquidos, os de diversos tipos. Soletra-me: SA-BÃO. Palavra polissílaba, oxítona com som nasal, cinco letra, duas consoantes e três vogais, palavra bilabial, oclusiva e oral. Sabão de cozinha, sabão de banheiro, sabão de quintal. Signo imotivado, sabão, por que te chamam assim. Há sabão em todo lugar, ainda sim todos nós somos uns boçais, imundos e hostis. Quem me dera então ser sabão, para poder limpar toda a sujeira do mundo. (Ítalo Lima – 04/03/2013)