segunda-feira, 15 de abril de 2013

A CIDADE AMARELA


H
á meses ansiava por aquele dia, o encontro tão aguardado estava à poucas horas de mim, imaginava como seria a cidade, como seria a moça desconhecida, tudo seria novo  para mim. Cheguei na rodoviária radiante, comprei a passagem com o riso estampado no rosto. Minha primeira decepção veio em seguida, ao entrar no ônibus não havia mais cadeiras vagas para eu sentar, dentro dele  encontrava-se um amontoado de pessoas, todas indo em pé, inclusive eu, lembrei-me do transporte de certos animais, cuja semelhança era imensa, assim parecíamos ser tratados pela empresa de ônibus que nos levava, como animais. A viagem durou cerca de 3h30min, logo ao entrar na cidade percebi a quantidade de buracos que nela tinha, nessas alturas, já sentado, coloquei o rosto fora da janela, não havia calçamento, tudo era piçarra, vi crianças descalças brincando com um porco, lixo perambulando em volta, percebi o pior de tudo, não havia uma rede de esgoto. Havia sofrimento no olhar daquele povo, perguntava-me onde se encontrava o prefeito daquela cidade, revoltei-me, quer tipo de ser humano perverso deixaria um povo vivendo naquelas condições? Seria humana uma criatura assim? A cidade parecia esquecida no tempo, parada, jogada ao acaso, e ninguém fazia nada para mudar aquilo tudo. Perversos são os homens, que maltratam seus semelhantes. Cheguei na rodoviária da cidade, ao reconhecer minha linda namorada acenando para mim, não me segurei, desci correndo do ônibus, a abracei bem firme, nos beijamos longamente pela primeira vez e esqueci de tudo que tinha visto. Percebi então a felicidade daquela gente. E esqueci que a cidade era amarela. (Ítalo Lima – 15/04/2013) 

A FEIURA DA ALMA ALHIEA


    Em uma dessas idas promiscua na noite fútil da cidade, eu, que por obrigação me via ali, naquela festa, em meio a ostentações, delírios e falsidades, preferia eu andar só, por opção minha, me via ali pelo simples motivo: odiava a solidão, não dessas, de um ser sozinho em um quarto escuro de um sábado qualquer, mas daquela solidão de alma, daquele vazio anorexo, inflamável e permanente. As luzes ofegantes da festa reluziam em meu corpo estático, muitos se esbarravam em mim, eu fingia demência. Nada ao meu redor vingava, não sei o que havia em mim, que nada progredia.
     Foi que no auge do som dançante, encontrei aquela, que me roubou a atenção perdida: eu temia olhos nos olhos, ela temia me encarar, ainda sim eu a olhava incansáveis vezes e já olhava possuído de desejos. Então o fuzil rentável do meu ser dilacerante chacinou a moça indefesa, ela incomodada veio até a mim:
     - O que você está fazendo? (Perguntou-me assustada)
     - Apaixonando-me. (Disse contente de riso frouxo). Não é assim que as pessoas se apaixonam? Não parando de se olhar? 
     Ela me olhou com desdém e saiu reinando desprezo. Eu fiquei ali, desacudido, sem estrutura interna, aturdido. Sai dali decepcionado, cheguei em casa não sei como, para aquele quarto frio e vazio, cai flácido na cama, minha alma ali se via dolorida, descontente com tudo. Adormeci ferido. Ao raiar do dia, o espelho do meu quarto reluzia duplamente um apático ser destruído, vi duas imagens, uma de meu corpo físico, outra, de minha alma em agonia. Percebi então o sentido de tudo.
     Hoje em dia, ninguém mais proclama a alma do próximo, todos cultivam a aparência sadia, sem manchas escuras, de um branco sorriso demagogo. E assim caminham os seres achando fluir da perfeição firme no peito, não sabendo eles, que a beleza maior se finca na alma. Assim todos procuram a cura da aparência física, espelhando-se na retórica grega. Ninguém atenta à cura da alma. Minha aparência não agrada, minha alma anda estraçalhada, assim vejo no espelho, ninguém quis cura-la, pois todo mundo tem medo da feiura alheia.  (Ítalo Lima – 08/04/2013)

segunda-feira, 1 de abril de 2013

PÉS DESCALÇOS


“Eu perguntei a Deus do céu, ai
Por que tamanha judiação” (Luiz Gonzaga)
     Minha vó sempre dizia que quando nós morremos a terra há de comer o nosso corpo. Lá na minha terra, em São Raimundo Nonato a seca tá devorando o povo vivo. A vida lá é mais sofrida que a morte. Meus avós (que Deus os tenham) é que o digam. Sofreram até o ultimo suspiro. A seca tá braba. A seca tá viva. Ninguém óia por nós. Somo povo esquecido. Ninguém ta nem aí pra nós. Vim da minha terra, precisei, pegar mais de dois ônibus pra chegar aqui em Teresina. Me disseram que o governador mora aqui em Teresina. Numa casa branca. Vou até lá pra nós conversar. Pr’ele se alembrar da minha gente, do meu povo sofrido, que só vendo. Vim com a cara e a coragem. Sem conhecer ninguém. Vim pelo meu povo. Tenho sede de investimento político. E você?
     Desci da rodoviária de Teresina, tudo era novo e estranho, meu coração estava apertado. Sem conhecer ninguém, segui sem rumo. Na guarita da rodoviária pedi informação ao aparente guarda, que ali se encontrava, perguntei à ele onde ficava a casa branca, ele riu de mim, e me apontou ao acaso o destino incerto. Continuei em frente, algumas ruas abaixo avistei um moço lavando a calçada com uma mangueira d’água. Entrei em desespero, nunca vi alguém desperdiçando água assim. Fui imediatamente falar com ele. O moço não se intimidou com minha presença, nem com o lamento de tal desperdício, ele me olhava estranha, me perguntou de onde eu vinha e para onde ia, respondi calmamente, expliquei os meus motivos, ele se mostrou interessado em me ajudar, disse que me dava carona até a casa do governador, mas que antes precisava me levar até a casa de uma amiga, aceitei contente, crente que estava tudo bem. Sebastião, era seu nome. Entrei dentro do carro dele, antes disso ele fez uma ligação estranha, cochichou algo e desligou.
     Chegamos na casa da tal amiga, antes de entrarmos ali saiu de lá uma moça, com roupas curtas e maquiagem no rosto, salto muito alto, estranhei, antes de entrarmos, tirei  a sandália do pés e entrei descalça. Sebastião parecia já ter intimidade por ali, foi logo chamando por Agostina, sentamos do sofá, logo desceu das escadas aquela mulher: com um vestido vermelho, quase nua, com decotes exageradamente à amostra, e com um leque na mão. Senti medo daquilo. Agostina se aproximou de mim, me elogiou, e disse que serviria uma bebida. Perguntei assustada à Sebastião o que aquilo tudo significava, ele tentou me acalmar, mas não adiantou, resolvi sair dali correndo. Aos gritos e socorro, sai em desespero, esbarrei numa moça que ali passava, ela sentiu pena de mim, pedi encarecidamente a sua ajuda. Explique tudo o que houve, então ela me tirou dali e finalmente me levou para o destino que eu tanto buscava.
     De longe avistei a casa branca, era linda, meus olhos brilhavam de tamanha alegria. Havia pássaros anunciando a minha chegada, era carcará do meu sertão. Atravessei o caminho de entrada da porta central, chegando lá, tirei novamente minhas sandálias, pois meu avós me ensinaram que, antes de entrar na casa dos outros, se deve tirar as sandálias dos pés, pra não levar a sujeira da rua pra dentro de casa. (Ítalo Lima – 01/04/2013)