João era aquele que pescava no mar em noites frias,
antes mesmo de amanhecer, para casa retornava. Sua mulher já o esperava, cheio
de risos e amores, e os dois se davam cedinho, meio que de mansinho, até se
saciarem. No final, ele se virava de lado, adormecia cansado na cama, e de tudo
esquecia. Acordava no fim da tarde, se alimentava e para o mar saia. Eram assim
todos os dias.
Eis que um dia, numa clara noite de lua, solitário
em alto mar sombrio, o pescador em pensamentos perdidos avista uma sereia
deitada numa pedra fria, cantando sons de amores, e a voz a enfeitiçar.
Presunçoso que só vendo, João não crendo naquilo que via, tampou os olhos e
rezou o pai-nosso em agonia. Não resolvendo tal dilema, resolveu se aproximar
da jovem moça. Sem temer mal algum, tocou-lhe o rosto e percebeu, que a sereia
calma lhe sorria, cantos ditosos de alegria da sua boca emanava. Encantado com
tal proeza, não acreditou no que estava vendo. A sereia percebendo tal espanto,
se apresentou como Dalila, pediu a ele que não tivesse medo, que mal algum lhe
podia fazer. Aliviado de algum modo, o pescador também conseguiu falar,
apalpou-a na pele, certificando ser real. Rindo de tal ação, ela confessou que
a dias o observara, porem cansada desse desejo lancinante, logo resolveu se aparentar. Percebendo tal satisfação no olhar do moço, ela o beijou com tamanha
alegria, e os dois não se contiveram de prazer, se entregaram na pedra fria. Os
corpos nus se embrenharam em folia, e era ela, sim, era ela que o possuía.
João, sem jamais ter visto algo assim, se apaixonou
perdidamente pelo ser mitológico. Depois de navegar no corpo da moça de louça,
ele partiu sem vontade. Em casa, sua mulher logo estranhou o marido, não houve
sexo como de costume, ela se insinuou para ele, houve frustração logo em
seguida, descontente, a mulher pôs-se chorar. João sem entender o que estava
havendo, só desejava a sereia branca. Não aguentando tal ansiedade, partiu mais
cedo para o mar. Tão sedento pela sereia estava, que nem notara o pranto da sua
esposa. Foi para o mar com vontade. Chegando no local de outrora, na mesma
pedra que testemunhou tal libido, sentou-se contente e feito moleque sapeca,
esperou pelo brinquedo. E as horas se passaram em lamento, não houve traços de
sereia, nem canto ao seu redor. Dois dias se passaram, ele cansado de tal
tormento, voltou para casa em desalento.
Decepcionado com tal descaso, chegou em
casa na surdina, entrou no quarto com os pés descalços, logo se assustou com o
parecer de tal cena: sua mulher, coisa louca, cavalgando no corpo de um jovem
branco, com gemidos abafados, tal prazer era notado, mas ao frisar seu olhar no
moço branco, logo identificou, que era a sereia de louça, com escamas grossas e
traços de outro gênero, oh sucumbido, era homem tal engenho. Havia João também
se emaranhado com o jovem moço? Não aguentando tal sofrimento, saiu dali sem
ser notado, pegou uma arma escondida, voltou para o quarto em passos curtos e
atirou no ser mitológico. Não contido de tanta raiva disparou outros tiros na
sereia de dois gêneros. Depois de a adrenalina ter partido, João pode ver que,
quem jaz sagrando na cama, era sua mulher com lagrimas caída, não havia mais
ninguém junto dela na cama. Só os dois no triste quarto do pescador. (Ítalo
Lima)