quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

CINZAS DE UM AMOR VAZIO


Acendi um cigarro. O lindo cigarro. Não me pus em hesitação, logo me declarei a ele. Sua forma viva me despertava um sentimento agradável. Emanei as mais belas palavras de amor. Meu olhar o fisgava de uma maneira inexplicável. Desejei-o. Possui-o. Tremi de amores. Pude ouvir meu coração palpitando em ritmos acelerados. Frenesi alegórico. Criei coragem e traguei-o. Sua chama de luz me fascinava os pensamentos. E quanto mais o tragava, mais a chama ardente se firmava. E eu me dava por satisfeito com aquela situação. Suas respostas me vinham em fumaças opacas e sutis. Eu tossia vez ou outra. Ciente de que aquilo me fazia mal, escolhi continuar.
Vi-me em transe, empestado de amor vadio. No apogeu do meu alento revigorei minha identidade, tive o mais viril dos orgasmos, quase gritei, ele me adentrava as entranhas, me terebrava a epiderme, me invadia o peito puro. Dei-me sem medir. Extasiado de tanto prazer, louvei a vida em pensamentos, entendi a razão de ser. Até que então, percebi que o fim estava próximo. Vi em minhas mãos a bagana em agonia. O cigarro estava indo embora. Lamentei. Despedi-me. Da chama viva que outrora me invadia, restaram apenas as cinzas de um amor que eu julguei eterno.
    ÍTALO LIMA

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

ESTAÇÕES DO ANO E OS PROBLEMAS COM AMORES


Certa vez, em um desses sonhos de Alice, o Inverno se apaixonou pela Primavera, ele calou-se diante de tal sentimento, jurou segredo para consigo mesmo. Tão gentil com ela era, lhe trazia chuva quando pedia, e no terceiro mês do ano ele via contente a chegada da dela. Primeiro os botões de rosas surgiam, deles se abriam lindas flores, com aromas de beijos de amores, e o orvalho percorriam as peles das lindas rosas, naquele instante o Inverno podia sentir a delicadeza da Primavera, satisfeito com tal toque, ele então trazia chuvas em abundancia, para todos os dias tocar novamente nela. Ingênua, de riso frouxo, ela não entendia todo aquele afeto, não tinha olhos para nada, apenas para o Verão seu amor dedicava. O Inverno ciente de seu amor platônico respeitava tal escolha, amava em silêncio a bela Primavera. Os meses se iam.  
Em cargo de tal paixão, o Verão não valorizava tal posse, abandonava a Primavera quando as flores vinham a murchar, renegava tal amor. Para ele não convinha a flácida aparência. Ela entedia tal fardo, desabrochava contente, crente que voltaria revigorada. O Inverno de longe lamentava, calado com tal injustiça.  E vinha o Outono, trazendo bons frutos e boas novas. E assim se dava esse ciclo vicioso.
Então, o Inverno cansado de tal mesmice, não aguentando tamanho sufoco, criou coragem e se declarou para a Primavera, presenteou-a com arco-íris e beija-flores. Receosa com tal declaração, ela se fez difícil, quase não sedia, até que então se entregou a esse amor proibido. Amaram-se os dois. E o vento se fez mais forte, e as flores no apogeu de seus aromas, se fez mais firme com tal ventania, as rosas se encheram de vida com jamais haviam antes, então o dia se fez mais longo, e na vigésima quinta hora vigente do dia os dois se deram contente. O Verão praguejou contra os dois amantes, enraivado com tal traição, ele se entristeceu conformado.
Eis que chegada a hora, a Primavera se fez mais flácida. O Inverno viveu na pele o horror daquela cena, ela que era tão bela e macia, agora se pôs na frente dele murcha e enfraquecida. Não aguentando tal horror o Inverno se fez maldoso, lhe virou as costas, sem despedidas. Saiu sem culpa, porem satisfeito de tê-la possuído ao menos um vez. E a Primavera desabou sem vida. (Ítalo Lima) 

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

AGONIA DE UMA MULHER E OUTROS PÁSSAROS


Era dia. E eu estava naquele quarto sombrio, por vontade minha, confesso. A penumbra entrava pela alcova sem restrição. O silencio presente ali, me inquietava por inteira. Meu espírito se contorcia de angustia, aflição e só. Sentia no chão gélido de cada passo o cheiro de flores brancas e orvalhos. O ventilador fazia um barulho inquietante, seus giros me entonteciam pelo avesso. Desliguei-o.
Tentei regredir minha memória, para ajudar, voltei os ponteiros do relógio, e me imaginei voltando no passado. Não consegui, eu estava inerte, em um presente que não era meu. Resolvi me despir. Senti-me mais leve. Pude ver em meus seios flácidos a mordida daquele cão, daquele animal que eu matara. Fechei os olhos. Ouvi sons de pássaros de outras épocas, todos a agonizar. Então senti saudade de uma época em que eu ainda não vivi. Imitei os sons dos pássaros, não me saiu igual, eu tentei ao máximo cantar sua agonia. Foi em vão. Arranhei-me em seguida.
Levantei-me rapidamente, apanhei no criado-mundo um pincel encarnado e escrevi nas paredes do meu quarto nomes feios. Desejei que todos os pássaros putrefizessem em cima de mim. Já não havia mais espaços para nomes sujos, nem sons de aves. Estava tudo lotado. O meu ser e o quarto transbordava desespero. Pude ver em pouca luz, no espelho convexo firme da parede, a minha aurora se apagando. O espelho tinha boca e falava coisas estranhas, havia uma mulher que o olhava, nua por dentro, nua por fora. Eu não reconhecia aquela figura ali refletida. Quebrei-o
Acendi uma vela fria, sua chama não condizia com as estações do ano, era verão, por que havia ela de me aquecer? Queimei todas as fotografias de nós dois. Já que não podia eu voltar no passado, queria eu apaga-lo. Adorei o cheiro de queimado. Minha audição ia se perdendo aos poucos. Efeito talvez de outras fumaças. Meu olho ardia. Minha alma também. Tic-tac. Tic-tac. Olhei para o relógio e tive a certeza da chegada dela: da hora final.  Estraçalhei-o.
Peguei a arma debaixo da cama. Lembrei-me do dia anterior. De todas as mortes, escolhi a mais rápida para aquele homem, em suas costas havia pássaros em dúzias. Eles não me cantaram em vão. Súplicas vieram a vigor. Não hesitei. Minha vingança foi cumprida. Sou pássaro agora.                                                    
                      (Matei-me)
                    
                         Ítalo Lima

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Sereia de Dois Gêneros


João era aquele que pescava no mar em noites frias, antes mesmo de amanhecer, para casa retornava. Sua mulher já o esperava, cheio de risos e amores, e os dois se davam cedinho, meio que de mansinho, até se saciarem. No final, ele se virava de lado, adormecia cansado na cama, e de tudo esquecia. Acordava no fim da tarde, se alimentava e para o mar saia. Eram assim todos os dias.
Eis que um dia, numa clara noite de lua, solitário em alto mar sombrio, o pescador em pensamentos perdidos avista uma sereia deitada numa pedra fria, cantando sons de amores, e a voz a enfeitiçar. Presunçoso que só vendo, João não crendo naquilo que via, tampou os olhos e rezou o pai-nosso em agonia. Não resolvendo tal dilema, resolveu se aproximar da jovem moça. Sem temer mal algum, tocou-lhe o rosto e percebeu, que a sereia calma lhe sorria, cantos ditosos de alegria da sua boca emanava. Encantado com tal proeza, não acreditou no que estava vendo. A sereia percebendo tal espanto, se apresentou como Dalila, pediu a ele que não tivesse medo, que mal algum lhe podia fazer. Aliviado de algum modo, o pescador também conseguiu falar, apalpou-a na pele, certificando ser real. Rindo de tal ação, ela confessou que a dias o observara, porem cansada desse desejo lancinante, logo resolveu se aparentar.  Percebendo tal satisfação no  olhar do moço, ela o beijou com tamanha alegria, e os dois não se contiveram de prazer, se entregaram na pedra fria. Os corpos nus se embrenharam em folia, e era ela, sim, era ela que o possuía.
João, sem jamais ter visto algo assim, se apaixonou perdidamente pelo ser mitológico. Depois de navegar no corpo da moça de louça, ele partiu sem vontade. Em casa, sua mulher logo estranhou o marido, não houve sexo como de costume, ela se insinuou para ele, houve frustração logo em seguida, descontente, a mulher pôs-se chorar. João sem entender o que estava havendo, só desejava a sereia branca. Não aguentando tal ansiedade, partiu mais cedo para o mar. Tão sedento pela sereia estava, que nem notara o pranto da sua esposa. Foi para o mar com vontade. Chegando no local de outrora, na mesma pedra que testemunhou tal libido, sentou-se contente e feito moleque sapeca, esperou pelo brinquedo. E as horas se passaram em lamento, não houve traços de sereia, nem canto ao seu redor. Dois dias se passaram, ele cansado de tal tormento, voltou para casa em desalento.
     Decepcionado com tal descaso, chegou em casa na surdina, entrou no quarto com os pés descalços, logo se assustou com o parecer de tal cena: sua mulher, coisa louca, cavalgando no corpo de um jovem branco, com gemidos abafados, tal prazer era notado, mas ao frisar seu olhar no moço branco, logo identificou, que era a sereia de louça, com escamas grossas e traços de outro gênero, oh sucumbido, era homem tal engenho. Havia João também se emaranhado com o jovem moço? Não aguentando tal sofrimento, saiu dali sem ser notado, pegou uma arma escondida, voltou para o quarto em passos curtos e atirou no ser mitológico. Não contido de tanta raiva disparou outros tiros na sereia de dois gêneros. Depois de a adrenalina ter partido, João pode ver que, quem jaz sagrando na cama, era sua mulher com lagrimas caída, não havia mais ninguém junto dela na cama. Só os dois no triste quarto do pescador. (Ítalo Lima) 

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Juvenil Senhora



Estou velha. Padeço. Cheguei ao meu percurso final. Vejo que já não tenho tempo a perder. Ando às pressas. Hoje resolvi contar os meus segredos. Escancara-lo para o mundo. Pois bem, que eu seja ouvida. Descobri que tenho poucos meses de vida. Justificando então, a minha pressa de, deixar registrado a minha história. Ouvi boatos que, hoje em dia, tudo se ocorre na ligeireza cotidiana. Uns usam justificativas sensatas, esses, talvez sejam caretas demais. Já outros, se apressam o tempo todo, mal sabem ser lerdos. Confesso, me identifico ultimamente com eles. Tal ligeireza levou o mundo a ser descartável, nada se mantém intacto. Não me refiro apenas a objetos. Pessoas comumente, se tornaram descartáveis, também. Talvez, no fundo, elas saibam disso, mas não se dão conta, e quando se dão, já não há mais tempo, se tornam inutilizáveis. E assim, vão se amontoando seres, que não são mais uteis. Vejo que um dia já fiz parte disso. Há muito tempo. Ainda faço. Não importa. Com os anos, todos vocês irão aprender a como lhe dar com isso. Dependerá da fase que você se encontra. Eu, em minha vida toda, possui várias. Todos os dias eu tive fases diferentes. Desde menina, quando aprendi a lutar. Percebi que, se eu permanecesse na mesma o tempo todo, eu iria sofrer. Então, por causa disso, aprendi a ser várias mulheres. Ah, mas não me venha você mulher, dizer que, muda o corte de cabelo todo mês, ou pinta-o toda a semana. Pouco me importa sua mudança exterior. Falo eu aqui de mudanças interiores.
Clichê, clichê, clichê. Essas palavras estão me parecendo coisas de autoajuda. Nunca li um livro se quer, dessa categoria. Acho fatigante alguém querendo me impor regras hipócritas. Enfim.
Não sei mais o que eu queria dizer. Acho que já me perdi. Entre uma letra e outra, bebo um bom gole de vinho. Para revitalizar meus pensamentos. Seria bem elegante se, no dia do meu enterro, chovesse vinho. Tinha que ser vinho branco então. Seria esplêndido. Assim, todos poderiam brindar o desapego com a vida. Um brinde!
 Tenho 35 anos e já vivi mais do que esses anos me couberam. Porque ser velha nunca foi sinônimo de idade.(Ítalo Lima)