Era dia. E eu estava naquele
quarto sombrio, por vontade minha, confesso. A penumbra entrava pela alcova sem
restrição. O silencio presente ali, me inquietava por inteira. Meu espírito se
contorcia de angustia, aflição e só. Sentia no chão gélido de cada passo o
cheiro de flores brancas e orvalhos. O ventilador fazia um barulho inquietante,
seus giros me entonteciam pelo avesso. Desliguei-o.
Tentei regredir minha memória,
para ajudar, voltei os ponteiros do relógio, e me imaginei voltando no passado.
Não consegui, eu estava inerte, em um presente que não era meu. Resolvi me
despir. Senti-me mais leve. Pude ver em meus seios flácidos a mordida daquele
cão, daquele animal que eu matara. Fechei os olhos. Ouvi sons de pássaros de
outras épocas, todos a agonizar. Então senti saudade de uma época em que eu
ainda não vivi. Imitei os sons dos pássaros, não me saiu igual, eu tentei ao
máximo cantar sua agonia. Foi em vão. Arranhei-me em seguida.
Levantei-me rapidamente,
apanhei no criado-mundo um pincel encarnado e escrevi nas paredes do meu quarto
nomes feios. Desejei que todos os pássaros putrefizessem em cima de mim. Já não
havia mais espaços para nomes sujos, nem sons de aves. Estava tudo lotado. O
meu ser e o quarto transbordava desespero. Pude ver em pouca luz, no espelho
convexo firme da parede, a minha aurora se apagando. O espelho tinha boca e
falava coisas estranhas, havia uma mulher que o olhava, nua por dentro, nua por
fora. Eu não reconhecia aquela figura ali refletida. Quebrei-o
Acendi uma vela fria, sua chama
não condizia com as estações do ano, era verão, por que havia ela de me
aquecer? Queimei todas as fotografias de nós dois. Já que não podia eu voltar
no passado, queria eu apaga-lo. Adorei o cheiro de queimado. Minha audição ia
se perdendo aos poucos. Efeito talvez de outras fumaças. Meu olho ardia. Minha
alma também. Tic-tac. Tic-tac. Olhei para o relógio e tive a certeza da chegada
dela: da hora final. Estraçalhei-o.
Peguei a arma debaixo da cama. Lembrei-me
do dia anterior. De todas as mortes, escolhi a mais rápida para aquele homem, em
suas costas havia pássaros em dúzias. Eles não me cantaram em vão. Súplicas
vieram a vigor. Não hesitei. Minha vingança foi cumprida. Sou pássaro
agora.
(Matei-me)
Ítalo Lima
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