segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

AGONIA DE UMA MULHER E OUTROS PÁSSAROS


Era dia. E eu estava naquele quarto sombrio, por vontade minha, confesso. A penumbra entrava pela alcova sem restrição. O silencio presente ali, me inquietava por inteira. Meu espírito se contorcia de angustia, aflição e só. Sentia no chão gélido de cada passo o cheiro de flores brancas e orvalhos. O ventilador fazia um barulho inquietante, seus giros me entonteciam pelo avesso. Desliguei-o.
Tentei regredir minha memória, para ajudar, voltei os ponteiros do relógio, e me imaginei voltando no passado. Não consegui, eu estava inerte, em um presente que não era meu. Resolvi me despir. Senti-me mais leve. Pude ver em meus seios flácidos a mordida daquele cão, daquele animal que eu matara. Fechei os olhos. Ouvi sons de pássaros de outras épocas, todos a agonizar. Então senti saudade de uma época em que eu ainda não vivi. Imitei os sons dos pássaros, não me saiu igual, eu tentei ao máximo cantar sua agonia. Foi em vão. Arranhei-me em seguida.
Levantei-me rapidamente, apanhei no criado-mundo um pincel encarnado e escrevi nas paredes do meu quarto nomes feios. Desejei que todos os pássaros putrefizessem em cima de mim. Já não havia mais espaços para nomes sujos, nem sons de aves. Estava tudo lotado. O meu ser e o quarto transbordava desespero. Pude ver em pouca luz, no espelho convexo firme da parede, a minha aurora se apagando. O espelho tinha boca e falava coisas estranhas, havia uma mulher que o olhava, nua por dentro, nua por fora. Eu não reconhecia aquela figura ali refletida. Quebrei-o
Acendi uma vela fria, sua chama não condizia com as estações do ano, era verão, por que havia ela de me aquecer? Queimei todas as fotografias de nós dois. Já que não podia eu voltar no passado, queria eu apaga-lo. Adorei o cheiro de queimado. Minha audição ia se perdendo aos poucos. Efeito talvez de outras fumaças. Meu olho ardia. Minha alma também. Tic-tac. Tic-tac. Olhei para o relógio e tive a certeza da chegada dela: da hora final.  Estraçalhei-o.
Peguei a arma debaixo da cama. Lembrei-me do dia anterior. De todas as mortes, escolhi a mais rápida para aquele homem, em suas costas havia pássaros em dúzias. Eles não me cantaram em vão. Súplicas vieram a vigor. Não hesitei. Minha vingança foi cumprida. Sou pássaro agora.                                                    
                      (Matei-me)
                    
                         Ítalo Lima

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