Era vinte
de abril de algum ano que não lembro bem. Alias, data nenhuma me era
importante, a não ser essa. Eu tinha 12 anos na época, criolo, cabeça raspada,
vestia um traje maltrapilho encardido, morador de rua, ia todos os dias pedir
dinheiro no sinal, o sol quente de meio dia cozinhava os miolos da minha
cabeça, me fazia de forte, os pés descalços me causavam rachaduras. Mas naquele
dia foi diferente, antes de sair da minha caixa de papelão eu já sabia que não
iria mais voltar, até o sol se fez de tímido e não apareceu. Sentei na calçado
e fiquei esperando pelo sinal fechar, ia
de carro em carro. “Ô tio me dar um trocado”. Recebia vários “Não” na cara. Vez
ou outra alguém era tocado o coração e me dava dinheiro. Recebia contente.
No fim da
manhã, perto de meio o dia, o sinal fechado, encostei-me ao carro cinza, a
mulher abaixa o vidro, seus olhos estavam vermelhos, ela chorava e soluçava sem
parar, me assustei com aquilo. “Por que ta chorando tia?” Ela me olhou bem
fundo e disse: “Meu me marido me traiu e ta doendo muito.” Não entendi tal dor.
“Tia, sabe o que é que dói de verdade? É minha barriga de fome, é ter que todo
dia lutar por um prato de comida.” Ela me olhou com tanta firmeza que eu me
senti fisgado à ela. O sinal abriu. Ela pediu que eu entrasse no carro. Entrei
sem pensar.
Ela era
advogada, me levou para sua casa, me deu comida, roupa e um lar, me adotou.
Hoje, dez anos depois, por ironia do destino, sou eu que sofro de amores, fui
traído também, e era uma dor que eu julgava estranha, agora me sufoca, e me faz
mendigo de novo. Então entendi o choro dela. (Ítalo Lima)
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