sábado, 16 de fevereiro de 2013

DOR DOS OUTROS


Era vinte de abril de algum ano que não lembro bem. Alias, data nenhuma me era importante, a não ser essa. Eu tinha 12 anos na época, criolo, cabeça raspada, vestia um traje maltrapilho encardido, morador de rua, ia todos os dias pedir dinheiro no sinal, o sol quente de meio dia cozinhava os miolos da minha cabeça, me fazia de forte, os pés descalços me causavam rachaduras. Mas naquele dia foi diferente, antes de sair da minha caixa de papelão eu já sabia que não iria mais voltar, até o sol se fez de tímido e não apareceu. Sentei na calçado e fiquei  esperando pelo sinal fechar, ia de carro em carro. “Ô tio me dar um trocado”. Recebia vários “Não” na cara. Vez ou outra alguém era tocado o coração e me dava dinheiro. Recebia contente.
No fim da manhã, perto de meio o dia, o sinal fechado, encostei-me ao carro cinza, a mulher abaixa o vidro, seus olhos estavam vermelhos, ela chorava e soluçava sem parar, me assustei com aquilo. “Por que ta chorando tia?” Ela me olhou bem fundo e disse: “Meu me marido me traiu e ta doendo muito.” Não entendi tal dor. “Tia, sabe o que é que dói de verdade? É minha barriga de fome, é ter que todo dia lutar por um prato de comida.” Ela me olhou com tanta firmeza que eu me senti fisgado à ela. O sinal abriu. Ela pediu que eu entrasse no carro. Entrei sem pensar.
Ela era advogada, me levou para sua casa, me deu comida, roupa e um lar, me adotou. Hoje, dez anos depois, por ironia do destino, sou eu que sofro de amores, fui traído também, e era uma dor que eu julgava estranha, agora me sufoca, e me faz mendigo de novo. Então entendi o choro dela. (Ítalo Lima)

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